O que Sonham as Meninas "Uma análise sobre o shoujo mangá no Ocidente."
Com uma frequência embaraçosa precisamos de uma ajuda para
perceber o óbvio.
Aconteceu há algum tempo, enquanto trabalhava numa feira de
quadrinhos e, previsivelmente, minha equipe e eu ficamos responsáveis pela
seção de mangás. Durante o intervalo, enquanto superava a frustração com a
prateleira de Yu Yu Hakusho que se recusava veemente de se manter organizada
por mais de dois minutos, fiquei jogando conversa fora com um dos responsáveis
pela parte dos livros e artbooks importados que comentou que a parte de mangás
era sem dúvida a melhor para trabalhar. Na verdade, os mangás era a seção mais
corrida e cansativa e disse isso a ele. "Mas também é a parte que tem mais
mulheres!" respondeu empolgado.
E era verdade. A maioria do público feminino do lugar sempre
ficava concentrada nos corredores correspondentes aos mangás da JBC, Panini e
Conrad. Garotas de várias idades e estilos escolhiam seus títulos, bem á
vontade, levando na sacola de compras não apenas as coqueluches, como Naruto e
Evangelion, mas também mangás que nunca tiveram o anime exibido no Brasil e que
há alguns anos eram considerados "tiros no pé" por parte das editoras
brasileiras, mas atualmente se encontram entre os mais populares: os mangás
shoujos.
Uma visão de mercado
A indústria editorial japonesa é gigantesca e segmentada,
visando atender leitores de todas as idades e classes, sendo os mais conhecidos
por nossos lados as obras voltadas ao
público jovem masculino, os shonens, e as direcionadas ás garotas, os shoujos.
Sei que isso não é novidade para muitos de vocês, mas sempre
tem alguém que está chegando agora por aqui e não é legal deixá-los boiando no
papo. Tenham um pouco de paciência, pequenos gafanhotos.
Prosseguindo, os shoujos formam uma parcela forte do
mercado, e em nada perdem para os demais gêneros. E como não podiam deixar de
ser referente ao mundo dos mangás, a gênese dessas revistas remete a Osamu
Tezuka que com a série A Princesa e o Cavaleiro (Ribon no Kishi), publicada
originalmente em 1954, abriu as porteiras para o vasto mundo das HQs para
meninas. No entanto, nos primeiros anos, a maior parte do material
produzido para as antologias femininas
eram feitas por homens. Além do próprio Tezuka, nomes de peso como Leiji
Matsumoto (Patrulha estelar) e Shotaro Ishinomori (Kamem Rider)
assinaram seus próprios shoujos mangás. Na década de 60, uma
jovem de 16 anos chamada Machiko Satonaka venceu o prestigiado concurso de
jovens talentos da Kodansha e aos poucos o mercado foi se abrindo para novas
autoras.
A grande mudança no gênero viria nos anos 1970, da prancheta
de artistas como Riyoko Ikeda (A Rosa de Versalhes), Moto Hagio (Thomas no
Shinzo), Ryoko Yamagishi (Arabesque) entre outras, que revolucionaram não
apenas nas questões estéticas, como também buscaram temas até em então tabus
nas revistas e encontraram uma nova identidade para as mulheres naqueles anos
de grandes transformações na sociedade em todo o mundo.
Encontrando as garotas
O shoujo cresceu com o passar das décadas, inúmeras séries
terminaram e começaram semanalmente nas antologias e tudo corria bem nas
livrarias japonesas. Então, leitores do Ocidente começaram a dar uma espiada no
que aqueles arquipélago de ilhas no Oriente tinha de bom nas bancas e as coisas
começaram aficar interessantes por aqui.
Começou de forma bem lenta, com alguns títulos sendo
publicados na Europa graças à exibição de animes como Candy Candy e A Rosa de
Versalhes.
O grande boom viria com o lançamento de O Lobo Solitário, de
Kazuo Koike e Goseki Kojima, nos Estados Unidos, em 1987. No ano seguinte, o
sucesso do longa Akira fez com que mais e mais pessoas se interessassem pelas
produções japonesas e aos poucos mais e mais títulos foram chegando nos Estados
Unidos, e com um pouco de atraso e de forma bem irregular, no Brasil.
E foi nessa época que as editoras e donos de comic shops da
terra do Tio Sam começaram a notar o crescente interesse das garotas pelos
mangás. O mercados americano de quadrinhos nunca teve uma relação estreita com
o público feminino e encarava-o com o mesmo misto de medo e maravilha que teria
caso um alien batesse em sua porta e pedisse, por favor, uma xícara de açúcar.
Vamos deixar uma coisa clara, eu amo comics. Adoro Batman,
Jovens Titãs é meu supergrupo do coração, Sandman é uma das minhas obras
favoritas e posso passar horas tagarelando sobre o assunto se a oportunidade se
a oportunidade se apresenta. Mas sou a primeira a admitir que essas revistas
não têm as mulheres como público-alvo. Isso quer dizer que as histórias dos
comics são ruins? De forma alguma, apenas que a maior parte dessas histórias
não possui um enfoque que agrade a grande parte das garotas. A Mulher Maravilha
é uma grande personagem, mas a maioria de suas histórias não tem o mesmo apelo
e identificação com as adolescentes que Nana, por exemplo. Nos comics, somos
espectadores dos grandes feitos dos heróis, enquanto os mangás mantêm uma
linguagem mais intimista, apresentando para suas leitoras os heróis com seus
pensamentos, desejos e angústias.
E volto a repetir que não estou defendendo que um estilo é
melhor ou pior que o outro. São produtos diferentes, com seus méritos e
defeitos, e cada um diverte seu público ao seu modo, estamos entendidos? Ótimo,
próximo tópico!
Sonho japonês
Agora, algo que deve ter deixado muitos editores deste lado
do oceano coçando a cabeça, confusos e estupefatos, quando se deram conta que
existe, sim, um grande número de leitoras chegando às bancas, número esse que
representa uma parcela significativa de vendas: como pode haver identificação
do público feminino ocidental com obras
produzidas por uma sociedade com valores e costumes diferentes?
O Japão é um país que vem passando nas últimas décadas
diversas mudanças culturais, mas em essência mantém muitas de suas tradições e
costumes. São reservados, suas manifestações de carinho e interesse são bens
mais sutis, seus ideais de beleza não seguem os mesmos estereótipos que o
Ocidente e por ai vai.
Sua mentalidade é diferente e isso se reflete na sua
produção cultural, seja quadrinho, desenhos ou literatura. Um exemplo que me
vem à mente agora foi a declaração de um dos produtores do anime Serial
Experiments Lain, sobre a recepção no mercado americano diante da complexidade
desta, onde afirmava que não esperava que o ocidente entendessem a série, uma
vez que ela havia sido criada com base na sensibilidade e valores do povo
japonês. Sua postura e pensamento, por outro lado, não influenciaram na boa
repercussão de Lain, que até hoje é lembrada e cultuada pelos fãs em todo
mundo.
Acredito, e isso é apenas minha posição sobre essa questão,
é que independentemente das diferenças culturais, certos temas e estereótipos
são universais , o que torna a identificação com os personagens e história
dirigidas a um determinado grupo, familiares o bastante para que pessoas de
todas as partes do mundo possam apreciá-los e amá-los.
E pela ênfase dada aos sentimentos mais básicos do
imaginário feminino, os shoujos possuem laços tão fortes com leitoras de todo
mundo que buscam em suas páginas o escape da rotina em histórias de fantasia,
aventuras e romances.
Pare e repare como a japonesa está falando sua língua
Já contei essa história milhões de vezes, mas sou uma velha
ranzinza, então estou exercendo meu direito de ser repetitiva e chata. No
princípio, ninguém botava fé no shoujo no Brasil. O que os críticos do gênero
esqueciam era que os animes para o público feminino estavam na TV desde a época
da TV Tupi, com A Princesa e o Cavaleiro. Na década de 1980, havia Honey Honey
e Angel, a Menina das flores, no SBT. Quando Cavaleiros era febre, Sailor Moon
e Guerreiras Mágicas de Rayearth também conquistaram uma fatia fiel de público.
Após a publicação de Card Captor Sakura, em 2000, pela JBC,
as editoras começaram a investir em títulos voltados a esse público. Não foi um
início fácil e prova disso foram os altos e baixos da Panini com o simpático
Peach Girl, que resultou no cancelamento da publicação no Brasil sem finalizar
a série. Felizmente, a editora se redimiu e mantém em seu catalogo um grande
acervo de mangás shoujos e josei, sempre investindo na melhora da tradução e
adaptação das revistas.
Um pouco mais tímida está a JBC, que prefere se dedicar à
publicação das obras das moças do grupo CLAMP, que até hoje são as autoras com
o maior reconhecimento do gênero em nosso país, graças ao sucesso de Sakura,
Syaoran de Card Captor e as garotas de Rayearth.
De certa maneira, esse é outro grande mérito do shoujo. No
Japão esses mangás fazem parte da história de luta das mulheres pelo seu lugar
na sociedade. Elas não estão lá apenas para serem vistas, mas também ouvidas e
pela arte podem contar suas histórias, o que pensam e sentem. Aqui, ainda estão
buscando seu espaço, mas ao menos os shoujos têm o mérito de mostrar que as
leitoras e fãs de quadrinho e animes estavam aqui o tempo todo, apenas
esperando que alguém as notasse.
Hagne, vse le manga shoujo?
ResponderExcluirSim, Sakura Card captors, kobato, k-on se não me engano tbm é shoujo
Excluirahhh kkkkkkkkkkkkkk
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